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Na balança do capital, o déficit é humano

Atualizado: 16 de jun.

A medida da desumanidade / Alexsandro Araujo — Jaboatão dos Guararapes, 2025.

1. Poesia contemporânea brasileira. 2. Crítica social. 3. Desigualdade. 4. Sociologia e literatura.


Introdução


Nesta obra poética de teor social e crítico, busco construir um retrato da condição humana na sociedade capitalista contemporânea. Com sensibilidade e cuidado, denuncio o processo de desumanização que transforma o homem em cifra, produto, desempenho e mercadoria. Entre a alienação e a resistência, o poema convida à reflexão sociológica e existencial sobre o lugar do ser humano num mundo onde o "ter" frequentemente sufoca o "ser".

Embora enraizado na forma poética, este texto busca ultrapassar o estético para afirmar-se enquanto manifesto de ideias e posicionamentos.

 

Alexsandro Araujo


A medida da desumanidade


O homem é medido pelo que produz,

Pelo que tem,

Pelo que pode oferecer.

Certamente, isso não pode ser traduzido em valor:

Valor humano.


Procura negar o viver desta vida,

Em detrimento do porvir,

Colocando-se num estado contemplativo.

Anseia pela vida eterna,

Espelhando-se num modelo de perfeição inalcançável.


E, por não admitir que é fraco, falho e finito,

O infeliz vive uma vida que não é sua.

Talvez o medo de duvidar lhe tire o sono.

É considerado um produto pelo capital

E sofre as mesmas variações de valor:

Por causa da competição, da concorrência e da oferta.


A alienação não o deixa ver

Que é um simples ser manipulável,

Que oprime, que cobra as passagens, que abre as portas.

Alguns são apenas recipientes abertos,

Cheios pela vontade de outros.


Defendem a precarização do trabalho e o empresário.

E, com tanto egoísmo, arrogância, ambição...

A competição entre os homens prevalece.

Chegar em primeiro é a meta;

Ser o melhor, o objetivo.


Escuta-se dizer:

“Eu sou homem, mas de uma classe melhor".

"Sou mais evoluído; eu trabalho, estudo..."

"Quem quiser, peça a Deus, trabalhe, estude..."

"Não me façam perder tempo com o desgosto alheio.”


E, no mercado da vida,

Os valores morais estão desvalorizados;

O desprezo está em alta;

Há promoção das desigualdades por toda parte;

O amor ao próximo, em escassez;

E o preconceito e o racismo, em oscilação.

O respeito, em déficit.


E segue o homem, medido em cifras,

Contado em metas, prazos, planilhas,

Mas não em sonhos, dores ou afetos.

Seu suor virou custo.

Seu corpo, ferramenta.

E a alma?

Descontada no contracheque da vida.


Aprendeu a viver sob a vigilância,

A aplaudir o chefe,

Amar o pastor,

A adorar o político,

E respeitar o doutor...


Mesmo quando a fome grita

E o sono não apaga o vazio que o cerca.

A religião lhe ensina a sofrer com esperança,

A obedecer esperando o paraíso,

Enquanto os donos do mundo vivem o céu na Terra.

Um eterno domingo.


A fé virou anestesia —

Piedade, coisa privatizada.

O amor virou líquido.

E a sociedade, alienada.

E a escola, que deveria libertar,

Muitas vezes o adestra.


Forma para o trabalho,

Mas não para a vida.

Nessa sociedade do desempenho,

Quem fracassa vira culpado.

Quem questiona, ingrato.

Quem sofre, mostra-se fraco.


E assim, o sujeito vira objeto;

O ser vira ter;

A existência, performance;

A ética, moeda de troca;

E a dignidade, um luxo fora de alcance.


Mas há quem resista em silêncio,

Quem duvide, quem chore,

Quem ame, apesar do ódio,

Quem abrace, mesmo cansado,

Quem não aceite a régua do capital.


Porque ser “homem” — ser humano —

É muito mais que produzir ou competir.

É errar, sentir, construir laços;

É combater o que oprime;

É desmedir a vida.


Seria bom se desmedissem o homem —

Arrancando-o das planilhas,

Soltando-o das cordas,

Livrando-o das etiquetas.

Permitindo-lhe, enfim, ser humano.


Capitalismo opressor

Na balança do capital, o déficit é humano: uma crítica poética da alienação contemporânea


O texto: A medida da desumanidade, constitui-se como um exercício poético de crítica social, onde a subjetividade lírica não se dissocia do olhar sociológico. Como em Marx, o sujeito aqui apresentado é reduzido à mercadoria; a sua força vital transformada em cifra, seu trabalho em valor de troca, e sua existência em mero desempenho funcional.

Em um mundo onde — como já nos alertava Bauman — as estruturas sólidas derretem, as relações tornam-se líquidas e o reconhecimento do outro é substituído por métricas de produtividade e sucesso individualizado. Assim, o homem não é medido por seus laços, afetos ou dignidade, mas pela rentabilidade de sua performance.

A vida é submetida à lógica empresarial, enquanto a dignidade humana, como aponta Honneth, é corroída por experiências de desrespeito e invisibilidade.

Byung-Chul Han complementa essa anatomia da modernidade ao diagnosticar a sociedade do desempenho, onde cada indivíduo é explorador de si mesmo, cúmplice e vítima do sistema que o adestra e vigia.

Sob as lentes de Weber, buscamos abordar sobre a racionalização capitalista ao dissolver a dimensão ética da vida em planilhas e metas, enquanto Debord nos lembra de que vivemos sob o império do espetáculo, onde o homem é imagem, projeção e não mais essência.

Por fim, o poema: A medida da desumanidade, busca romper a régua fria do capital, da eficiência e da comparação permanente. Resgatar o humano para além da lógica da mercadoria. Todavia, o apelo fundamental desta obra, busca transita entre a poesia e a teoria crítica, entre a denúncia e a esperança.


Complemento Audiovisual: "El Empleo" (O Emprego)


Para aprofundar a reflexão proposta, convido você a assistir ao premiado curta-metragem de animação El Empleo (2008), dirigido por Santiago 'Bou' Grasso e Patricio Plaza.

Neste curta, a metáfora da desumanização do trabalho e da alienação assumem formas visuais impactantes: pessoas tornam-se literalmente objetos a serviço da engrenagem social e econômica, ilustrando de modo perturbador a lógica perversa que transforma o ser humano em ferramenta, recurso e mercadoria.

O curta evidencia a perda da dignidade humana em um sistema que mede o homem por sua utilidade, eficiência e desempenho, a mercantilização da vida, a alienação no trabalho, a precarização das relações humanas e o esvaziamento ético da sociedade do desempenho.

El Empleo pode ser um ótimo complemento visual à reflexão, permitindo que o espectador sinta, de forma quase tátil, o que as palavras denunciam: a necessidade urgente de desmedir o homem.


Não há grandeza onde há medida.

Desnaturalizar não é um luxo acadêmico,

Mas resistência cotidiana de quem não aceita ser mercadoria.

Refletir, afinal, é existir.

Protestar é o ato de quem se recusa ser número.



Referências


BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2017.

HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Editora 34, 2003.

MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política (Vol. I). São Paulo: Boitempo, 2013.

WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

GRASSO, Santiago 'Bou'; PLAZA, Patricio. El Empleo. [S. l.]: Ojo Raro - Opusbou, 2008. 1 vídeo (6 min 24 s). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=cxUuU1jwMgM&t=1s. Acesso em: 15 jun. 2025.

 

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