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A PERFORMANCE DO EU NAS REDES PROFISSIONAIS: Narcisismo, meritocracia e simulacro no LinkedIn

Atualizado: 5 de mai.

Édipo

Alexsandro Araujo


As redes sociais digitais têm moldado novas formas de interação, subjetivação e representação social. O LinkedIn, voltado à construção de reputações profissionais, exemplifica como a lógica neoliberal do desempenho e da autopromoção se torna central na vida contemporânea. Tal fenômeno revela nuances de uma cultura empresarial narcisista, voltada à produção de credibilidade profissional, em que a imagem de sucesso se sobrepõe à realidade concreta das condições sociais e econômicas dos indivíduos. Mais do que isso, reforça uma ideologia meritocrática que oculta desigualdades estruturais, frequentemente fazendo parecer que a falta de oportunidades se deve exclusivamente a uma rede de contatos (network) ineficiente.

De fato, o (network) é muito imortante. De acordo com Pierre Bourdieu (1986), as redes de relações — conhecidas como networking — configuram uma forma de capital social, que é tão relevante quanto o capital econômico ou o cultural. O capital social diz respeito aos recursos acessíveis por meio das relações interpessoais, funcionando como um diferencial na manutenção e ascensão dentro da hierarquia social.

Como afirma o autor:

“o volume de capital social possuído por um agente depende do tamanho da rede de conexões que ele pode mobilizar efetivamente e do volume de capital econômico, cultural ou simbólico possuído por aqueles com quem ele está em conexão” (BOURDIEU, 1986, p. 249).

Entretanto, nas redes sociais digitais como o LinkedIn, essa lógica é atravessada por dinâmicas simbólicas que vão além do simples acúmulo de contatos estratégicos. A construção de uma rede de relacionamentos passa a exigir também uma performance contínua de visibilidade, competência e carisma. A busca por reconhecimento profissional não depende apenas das qualificações, mas da habilidade de produzir uma imagem de sucesso validada pelo olhar dos outros, (Amigos, Recrutadores, Headhunters).

Complementando essa perspectiva estrutural, Christopher Lasch (1983) foi um dos primeiros a diagnosticar a emergência de uma “cultura do narcisismo” nas sociedades contemporâneas, caracterizada pela busca incessante de validação e reconhecimento externo. Nas redes sociais digitais, essa busca se intensifica ainda mais.

Como observa o autor:

“o narcisismo moderno não é amor por si mesmo, mas um desejo de ser amado por todos” (LASCH, 1983, p. 21). No LinkedIn, os sujeitos raramente se apresentam como realmente são; preferem compor uma imagem idealizada de si mesmos, moldada para agradar e obter aprovação no mercado simbólico da atenção.

Essa encenação cotidiana remete ao conceito de "fachada" elaborado por Erving Goffman (1985), que define como o conjunto de elementos expressivos padronizados usados pelos indivíduos durante uma “apresentação de si” no palco social. A identidade, nesse sentido, é performática e relacional — ela depende do olhar e do reconhecimento do outro. O reconhecimento do outro sobre nós pode sofrer influencia de um viés inconsciente que nos nivela por baixo, ou superestima, dependendo da cor, religião, região geográfica, orientação política ou de gênero etc.

Como afirma Goffman:

“a fachada é o equipamento expressivo de tipo padronizado empregado intencional ou inconscientemente pelo indivíduo durante sua representação” (GOFFMAN, 1985, p. 24). Assim, quem eu sou importa menos do que aquilo que os outros, especialmente os observadores socialmente valorizados, acreditam que eu seja.

Essa performance do eu reforça a noção de que o sucesso é fruto exclusivo do mérito individual. Michael Sandel (2020) critica essa lógica, denominando-a de “tirania do mérito”, ao demonstrar que a meritocracia transforma o êxito em sinal de virtude moral e o fracasso em culpa pessoal. O LinkedIn, ao destacar formações, certificados e conexões, alimenta a ideia de que basta se qualificar para conseguir uma oportunidade no mercado de trabalho, ignorando os obstáculos impostos por fatores como o racismo estrutural, o elitismo das redes de indicação e as desigualdades sociais.

Entretanto, existe a possibilidade de contratação pelas redes, porém, é algo não tão fácil de alcançar e nesse aspecto algumas pessoas veem essa dificuldade como uma oportunidade para vender um cursos de curta duração de como tornar o perfil mais atraente.

Como resume Sandel:

“a meritocracia, ao invés de democratizar o sucesso, aprofunda a arrogância dos vencedores e a humilhação dos perdedores” (SANDEL, 2020, p. 28).

Jean Baudrillard (1991), por sua vez, propõe o conceito de simulacro para descrever situações em que a representação perde vínculo com a realidade e se transforma em uma realidade própria. O LinkedIn funciona, assim, como um espaço de hiper-realidade: o perfil ali exibido não reflete, necessariamente, a trajetória real do sujeito, mas sim uma construção simbólica voltada à aceitação pública e ao prestígio corporativo.

Como afirma o autor:

“o simulacro não é o que esconde a verdade. É a verdade que esconde que não há verdade” (BAUDRILLARD, 1991, p. 10).

A padronização das postagens, os discursos motivacionais, os cursos de “alta performance” e os elogios recíprocos revelam uma homogeneização simbólica do sucesso. Theodor Adorno e Max Horkheimer (1985) criticam essa dinâmica como manifestação da indústria cultural, na qual até as subjetividades se tornam produtos formatados.

No LinkedIn, o indivíduo é convertido em mercadoria: vê a si mesmo como um produto eficiente, inovador e constantemente em ascensão.

A Internet faz as pessoas tratarem a si mesmas e às outras como categorias linguísticas. Ex: Alto, inteligente, engraçado, competente, capaz, qualificado, eficiente, apto. [...] a rede trata o conceito abstrato como se fosse a coisa real. ILLOUZ, Eva (2012).

O LinkedIn transcende a função de simples mediador de vínculos profissionais: ele atua como um dispositivo de produção de subjetividades ajustadas às lógicas do neoliberalismo. A promessa de visibilidade, reconhecimento e ascensão individual opera como um véu que oculta as desigualdades estruturais persistentes no mercado de trabalho, ao mesmo tempo em que incentiva um narcisismo performático ancorado na exposição contínua de competências, conquistas e conexões. O sujeito, nesse contexto, é transformado em mercadoria simbólica e espetáculo permanente.

Assim, o valor do indivíduo deixa de residir em sua experiência concreta ou trajetória real, sendo medido, sobretudo, pela eficácia com que projeta uma imagem de sucesso. Cabe à Sociologia o papel fundamental de problematizar essas dinâmicas e lançar luz sobre os simulacros de mérito e reconhecimento, contribuindo para uma reflexão crítica sobre as ilusões que sustentam a ideologia meritocrática nas redes profissionais.


Referências


  • ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

  • BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e Simulação. Lisboa: Relógio d’Água, 1991.

  • BOURDIEU, Pierre. The Forms of Capital. In: RICHARDSON, J. G. (Org.). Handbook of Theory and Research for the Sociology of Education. Westport, CT: Greenwood, 1986.

  • GOFFMAN, Erving. A Representação do Eu na Vida Cotidiana. Petrópolis: Vozes, 1985.

  • Illouz, E. (2012). O Amor nos Tempos do Capitalismo. Rio de Janeiro – RJ. Zahar.

  • LASCH, Christopher. A Cultura do Narcisismo: A vida americana numa era de esperanças em declínio. Rio de Janeiro: Imago, 1983.

  • SANDEL, Michael. A Tirania do Mérito: O que aconteceu com o bem comum? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2020.

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