Reconhecimento e estima Social: Entre a moral do cotidiano e as lutas no mundo do trabalho. Uma perspectiva Honnethiana. [2]
- Alexsandro Alves de Araujo
- 3 de mai.
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Atualizado: 6 de mai.

Alexsandro Araujo
O reconhecimento reaparece na psicologia social de Mead com uma concepção materialista da luta intersubjetiva por reconhecimento, como hipótese empírica. É possível atribuir de fato diferentes formas de reconhecimento recíproco a diversas etapas de auto relação prática do ser humano, Amor, Direito e Solidariedade.
· Em Hegel – Tripartição: Família, Sociedade civil e Estado. A autonomia subjetiva aumenta com cada etapa de respeito recíproco. Enxerga o amor como um ser-si-mesmo no outro.
· Em Mead – Tripartição: Dedicação emotiva, reconhecimento Jurídico e Assentimento Solidário. Só em Mead aumenta o grau de relação positiva consigo mesma na sequência das três formas.
A subdivisão da vida social é dividida em três esferas de interação: Amor, Direito e Solidariedade. Não o amor nas relações sexuais íntimas, mas, ligações emotivas fortes entre poucas pessoas. Para Honneth (2003), Winnicott desenvolve uma teoria que explica essa primeira esfera do reconhecimento.
O amor representa a primeira etapa de reconhecimento recíproco, por que em sua efetivação os sujeitos se confirmam mutuamente na natureza concreta das suas carências; se reconhecendo como sujeitos carentes. Nas relações amorosas a dois há uma experiência recíproca de dedicação, ou seja, os atores se sentem dependentes do estado carencial do respectivo outro, e essa relação só é possível por que os dois se sentem diretamente correspondidos.
De acordo com a psicanálise de Freud, o êxito nas ligações afetivas com outras pessoas depende da primeira infância. Os atores, como sujeitos carentes, necessitam de cuidado, atenção, ajuda, de uma preservação recíproca, e isso gera um sentimento de estima especial e interligação entre eles. Há uma tensão nas relações primarias que dependem de um equilíbrio precário entre autonomia e ligação o qual pode causar desvio patológico, de acordo com a psicanálise. Freud recorre a primeira infância e a vida pulsional infantil entre a criança e a mãe, a mãe é a pessoa de referência, de valor independente.
O bebê, dependente, medo de perder a mãe; estado de desamparo psíquico (causa de angustia). Em Freud, relações libidinosas entre mãe e filho.
Segundo Honneth, há controvérsias nesse conceito psicanalítico Freudiano, que carece de um aprofundamento sobre as relações emotivas com outras pessoas. Relações sociais independentes.
Se o amor representa uma simbiose quebrada pela individuação reciproca, então o que nele encontra reconhecimento junto ao respectivo outro é manifestamente apenas sua independência individual; em razão disso, poderia surgir a miragem de que a relação amorosa seria caracterizada somente por uma espécie de reconhecimento que possuiria o caráter de uma aceitação cognitiva da autonomia do outro. (HONNETH, 2003, p. 178)
A liberdade do outro, ou a pseudoliberdade do respectivo outro e de si mesmo, não tem nada a ver com a questão da esfera do amor, antes, os sujeitos dependem de uma dedicação comum e uma segurança afetiva do outro em relação a si mesmo.
Ou seja, a liberdade cognitiva vai no sentido contrário da esfera do amor, não se trata de uma aceitação cognitiva da autonomia do outro e sim da garantia e da confiança mutua de uma ligação emotiva e uma segurança de afeição reciproca que vai se manter mesmo depois que os dois sujeitos atuem como sujeitos autônomos, individuais, se espera que sejam confiáveis um do cuidado do outro.
Caso isso não aconteça será quebrada a primeira instancia e dará início a um sentimento contrário ao amor e assim a uma luta pelo devido reconhecimento do respectivo outro. [...] só a ligação, simbioticamente alimentada, que surge da delimitação reciprocamente querida, cria a medida de autoconfiança individual, que é a base indispensável para a participação autônoma da vida pública. (Honneth, 2003, p. 178).
Para Winnicott, há duas categorias que ele chama de:
I. a) Dependência absoluta – simbiose – (o bebe reconhece que ele e a mãe são uma só pessoa, nesse caso existe um estado de dependência total e não aceitação da autonomia do outro) e
b) Destruição (frustração de não ter a mãe disponível em todo o tempo) e
II. a) Fenômeno de transição - Relativa independência (período após 6 meses. A criança passa a aceitar a distância da mãe e a mãe precisa aceitar o amadurecimento da criança)”, que poderá se desenvolver até o processo da categoria seguinte.
b) Autoconfiança” (só após essa experiencia mãe e filho vão experimentar um reconhecimento reciproco sem regredir a um estado simbiótico).
Após um estudo histórico, Honneth (2003), compreende que para as sociedade tradicionais o direito é ancorado na concepção de “status”, ou seja, o sujeito só consegue o reconhecimento jurídico quando é reconhecido como membro ativo de uma sociedade apenas em função da posição que ocupe. Com a modernidade surge uma nova forma de reconhecimento jurídico que se separa do direito relacionado a estima social.
Honneth reconhece na transição para a modernidade uma espécie de mudança estrutural na base da sociedade, à qual corresponde também uma mudança estrutural nas relações de reconhecimento: ao sistema jurídico não é mais permitido atribuir exceções e privilégios às pessoas da sociedade em função do seu status. Pelo contrário, o sistema jurídico deve combater estes privilégios e exceções. (Sobottka, 2015, p. 24)
A instancia do Direito se refere ao grau de reconhecimento de poderes, deveres e obrigações do respectivo outro como sujeito autônomo. Respeitar o direito do outro é cuidar dos direitos dos quais eu também usufruo e que me são dados de acordo com a lei, os direitos constitucionais.
Honneth vai na direção da qual o direito não seria tão eficaz sem o complemento do respeito e da solidariedade social. Por exemplo, a autonomia e emancipação das mulheres, o fim da escravidão e a liberdade do povo afrodescendente, ou as relações homoafetivas são garantidas pelo direito jurídico. Contudo, o direito não garantia uma autonomia pautada no respeito mútuo nem na estima social.
Para o direito, Hegel e Mead perceberam uma semelhante relação na circunstancia de que só podemos chegar a uma compreensão de nós mesmos como portadores de direitos quando possuímos, inversamente, um saber sobre quais obrigações temos de observar em face do respectivo outro; apenas da perspectiva de um “outro generalizado”, que já nos ensina a reconhecer os outros membros da coletividade como portadores de direitos, no sentido de que podemos estar seguros do cumprimento social de algumas de nossas pretensões. (HONNETH, 2003, p. 179).
A ideia do direito de Mead sobre o outro generalizado, segundo Honneth (2003), não passa de uma teoria do direito intersubjetivo em uma sociedade pautada pela divisão do trabalho, que se estende unicamente ao reconhecimento jurídico. Esta sociedade lhes dá os direitos de reconhecimentos jurídicos que é uma proteção para a sua “dignidade”, porem, existe uma ampla desigualdade nas possibilidades de ascensão social, de trabalho iguais e de possibilidades.
Para as relações jurídicas ligadas às tradições, nós só podemos assumir como seguro que o reconhecimento como pessoa de direito ainda está fundido aqui de certo modo, com a estima social que se aplica ao membro individual da sociedade em seu “status social”. (HONNETH, 2003, p. 183)
Para Honneth (2003), há duas concepções do conceito da palavra “respeito”.
[...] pois, no curso dessas discussões, revelou-se a tendência de traçar uma linha separatória exata entre dois aspectos semânticos do termo “respeito”, a qual só surgiu historicamente com o desacoplamento entre o reconhecimento jurídico e a estima social. (HONNETH, 2003, p. 183).
Subjetivamente entre as pessoas, mesmo com o reconhecimento jurídico, se consente a utilização de uma escala, imaginaria valorativa, que mede os sujeitos no grau do acumulo de suas competências e de suas determinadas responsabilidades, por exemplo, econômica, cultural, social, político, religioso fazendo com que a estima social possua um fim distinto ou de distinção entre as pessoas, um privilegio, ao passo que a individualidade do sujeito como um ser humano não é levada em consideração.
A forma de reconhecimento do direito corresponde a forma de desrespeito por Honneth, designada como privação de direitos (Entrechtung). Nesta esfera do reconhecimento, a componente da personalidade que é ameaçada é aquela da integridade social. Também aqui o desrespeito se refere a um tipo especifico de autorrelação, a saber, o autorrespeito. Central para a análise das formas de respeito feita por Honneth é o fato de que todo o tipo de privação violenta da autonomia deve ser vista como vinculada a uma espécie de sentimento. O sentimento de injustiça ocupa um papel importante na análise que Honneth faz do direito (ibid., p. 219). (SOBOTTKA, 2015, p. 28)
Nesse caso, a distinção entre as pessoas as coloca em posições satisfatórias ou de constrangimento por isso a estima social não deve fazer parte da esfera do direito. Pude perceber que os trabalhadores na empresa a qual pude analisar também possuem direitos individuais, só que a maioria deles estão relacionados aos direitos trabalhistas e a estima social e quase nenhum relacionados a solidariedade social e respeito mútuo.
Tanto o jovem Hegel quanto Mead quiseram pensar o futuro da sociedade moderna de modo que ele suscitasse um sistema de valores novo, aberto, em cujo horizonte os sujeitos aprendessem a se estimar reciprocamente em suas metas de vida livremente escolhidas. Com isso, ambos avançaram até o limiar em que começa a se entrever um conceito de solidariedade social que aponta para urna estima simétrica entre cidadãos juridicamente autónomos. (HONNETH, 2003, p. 279)
Partindo para o terceiro e último ponto, abordaremos sobre a solidariedade social, o qual foi o gatilho para o presente texto. Ressaltando, porém, só será possível o último caso, a solidariedade ou o reconhecimento reciproco, se nas duas primeiras esferas o indivíduo estiver um estado homeostático de equilíbrio.
O indivíduo, para Honneth, precisa experimentar sucessivamente em cada esfera o tipo de reconhecimento correspondente, para desenvolver uma autorrelação pratica positiva e assim formar uma identidade pessoal sadia e tronar-se um sujeito autônomo. Esse reconhecimento não é resultante de generosidade generalizada, mas sim de processos de luta que em cada esferas assumem formas distintas – reconhecimento esse que também pode ser negado. Á cada forma de reconhecimento correspondem formas típicas de negação: violação quando a integridade do corpo é desrespeitada; privação de direito quando são negados direitos que naquela coletividade foram incluídos no status de cidadania ou correspondem a direitos reconhecidos pela comunidade internacional; e por fim, degradação moral ou injuria quando a contribuição individual é menosprezada ou mesmo a dignidade pessoal é negada a ponto de que o indivíduo ou todo o grupo a que pertence não possa desenvolver uma estima positiva de si mesmo. (Sobottka, 2015, p. 36)
Para o atual contexto, entende-se que na estima social simétrica encontra-se o principal estímulo para a motivação, tanto no trabalho, nas instituições, como na vida pessoal a qual fortalece a confiança de que os indivíduos tem um valor que transpassa as relações trabalhistas, jurídicas, religiosas de serventia, de utilidade para um determinado serviço.
A partir do exposto, podemos crer que o reconhecimento impulsiona o modo de vida das pessoas em relação a quase todos os aspectos da vida cotidiana, das lutas sociais por direitos, dos reconhecimentos amorosos e a luta por reconhecimento em relação a estima social e, esse último, talvez seja a força motriz que impulsiona certa condição de solidariedade social, a qual surge como uma recompensa não financeira, uma espécie de capital social o qual os indivíduos lutam para obter ao longo de suas vidas.
Quando essa expectativa normativa legitima do indivíduo é frustrada, ele se percebe injustiçado. São precisamente essas percepções de injustiça que, no projeto de uma teoria fundamentada da justiça, se constituem em justificação para os critérios da análise crítica da realidade social e, ao mesmo tempo, é delas que o autor espera o impulso para as lutas de reconhecimento. (Sobottka, 2015, p. 36)
Em determinadas empresas, “colaboradores” se dispõem a realizar trabalhos que vão além do que é esperado em suas obrigações trabalhistas. Alguns são coagidos e ameaçados sutilmente, sendo lembrados em relação a atual crise financeira mundial e o aumento do desemprego no Brasil. Outros se dispõem ao trabalho extra, com certa excelência apenas por causa da percepção de cordialidade do gestor para consigo sem questionar ou, alguns deixando bem claro, “só estou realizando tal trabalho por causa de você”, não pela empresa.
Como tínhamos visto, diferentemente do reconhecimento jurídico em sua forma moderna, a estima social se aplica as propriedades particulares que caracterizam os seres humanos em suas diferenças pessoais: por isso, enquanto o direito moderno representa um médium de reconhecimento que expressa propriedades universais de sujeitos humanos de maneira diferenciadora, aquela segunda forma de reconhecimento requer um médium social que deve expressar as diferenças de propriedades entre sujeitos humanos de maneira universal, isto é, intersubjetivamente vinculante. (Honneth, 2003, p. 199).
Diante do exposto, é possível afirmar que o reconhecimento possui, muitas vezes, mais força mobilizadora do que a própria recompensa financeira. No ambiente de trabalho, são inúmeros os casos em que indivíduos se dedicam com afinco não por aumentos salariais, mas pelo simples fato de se sentirem valorizados, respeitados e reconhecidos como pessoas únicas. Esse reconhecimento — seja por meio da estima social, de um elogio sincero ou de um gesto de consideração — torna-se um combustível simbólico que alimenta o senso de pertencimento, a motivação e o comprometimento.
Mais do que o dinheiro, é o sentimento de ser visto, lembrado e considerado que impulsiona muitos a irem além do esperado. Quando essa expectativa legítima de reconhecimento é frustrada, instala-se um sentimento profundo de injustiça que nem sempre pode ser compensado com recursos materiais. Por isso, pensar em uma ética do trabalho baseada no reconhecimento é também repensar as formas de convivência, de gestão e de justiça social.
Em tempos de precarização, altos índices de desemprego e pressões por produtividade, é urgente lembrar: um trabalhador que se sente reconhecido trabalha com dignidade, engaja-se com sentido e contribui com mais do que sua força de trabalho — oferece sua humanidade. E é justamente nessa humanidade reconhecida que reside a esperança por relações mais solidárias e transformadoras no mundo do trabalho.
BIBLIOGRAFIA
HONNETH, A. (2003). Luta por Reconhecimento. SÃO PAULO: Editora 34.
SOBOTTKA, E, A. (2015). Reconhecimento: Novas abordagens em teoria crítica. São Paulo: Annablume.
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