top of page

Axel Honneth: Luta por reconhecimento - A gramática moral dos conflitos Sociais [1]

Atualizado: 6 de mai.

Axel Honneth

Alexsandro Araujo


Quando me refiro a reconhecimento, não estou pensando como geralmente é abordado no senso comum, ou como ele foi abordado nas teorias de Maslow[2] (Motivação Profissional), Frederick Herzberg (fatores higiênicos e motivacionais), apesar de saber que são muito importantes entre outros autores que tratam do caso e que é muito difícil os separar da presente proposta. A minha pontuação é sociológica na perspectiva da luta por reconhecimento de Axel Honneth.

Honneth acredita haver uma luta por reconhecimento no sentido intersubjetivo, que vai além do reconhecimento do direito institucional trabalhista, da recompensa salarial, da luta pela autopreservação ou de um simples “tapinha nas costas”.

Para Honneth (2003), existem três dimensões que são diferentes, contudo, elas são interligadas: as quais são, o campo da esfera emotiva, o da esfera da estima social e o da esfera jurídico moral. A esfera emotiva permite ao indivíduo uma confiança em si mesmo, a qual é indispensável para os seus projetos de autorrealização; a esfera da estima social em que esses projetos podem ser objeto de um respeito solidário; a esfera jurídico moral em que a pessoa individual é reconhecida como autônoma e moralmente imputável, desenvolvendo assim urna relação de autorrespeito.

De Hegel, Honneth assume que na sociedade moderna haja três, e somente três, esferas decisivas para a interligação e a reprodução social: a família, a sociedade civil e o estado. Em cada uma delas o reconhecimento intersubjetivo assume uma forma especifica: o amor, o direito e a solidariedade – esse último, mais tarde, será designado como Leistung e poderia ser traduzido como realizações ou contribuição social (Saavedra e Sobottka, 2008;2009). (Sobottka, 2015, p. 35).

Nas palavras de Marcos Nobre, ao contrário da dimensão emotiva, “esfera da estima social e da esfera jurídico moral”, caso haja a privação desses dois últimos, poderão ocorrer movimentos sociais, através do qual se torna a chave para que possamos analisar o conceito da luta por reconhecimento no presente trabalho.

No entanto, é somente nas duas últimas dimensões que Honneth vê a possibilidade de a luta ganhar contornos de um conflito social, pois na dimensão emotiva. Não se encontra estruturalmente, segundo ele, uma tensão moral que possa suscitar movimentos sociais, o que não faltaria as formas de desrespeito como a privação de direitos e a degradação de formas de vida, ligadas respectivamente as esferas do direito e da estima social. (HONNETH, 2003, p. 18).

Honneth (2003), pertenceu a terceira geração da escola de Frankfurt, na Alemanha, é um dos autores de fundamental importância para a sociologia reconhecido ao lado de autores como, Adorno, Horkheimer, Foucault, Bourdieu, Giddens Habermas e outros. Fez críticas que tentam aperfeiçoar a teoria de seus antecessores na perspectiva da subjetividade do reconhecimento.

Se não faz sentido contar Honneth entre os integrantes da “Escola de Frankfurt”, parece-me correto, entretanto, incluí-lo na tradição da Teoria Crítica. Pois, tal como Habermas, também Honneth apresentou primeiramente sua própria posição teórica em contraste e confronto com seus antecessores. Assim como Habermas apresentou sua teoria como solução para impasses que detectou em Horkheimer e em Adorno, Honneth tentou mostrar que a solução de Habermas para essas aporias se fez ao preço de novos problemas. E isso porque Habermas enxergou apenas uma parte daquelas dificuldades presentes nos trabalhos de Horkheimer e de Adorno. (HONNETH, Pg.10). 

Entre outros autores citados no livro “Luta por reconhecimento”, Hegel e Mead desempenham um papel norteador da teoria do reconhecimento, tendo em vista que Honneth, inicialmente, se utiliza dos escritos de Jena do jovem Hegel, entretanto, é em Mead que ele dá a teoria do reconhecimento uma inflexão “materialista”, naturalista e pós-metafísica por meios construtivos da psicologia social do respectivo autor.

  De acordo com Hegel, para que os indivíduos se predisponham a abrir mão do seu direito individual para criar um contrato social, é necessário, antes de mais nada, mesmo sob condições sociais de concorrência hostil, um senso normativo previamente existente desde o começo, do reconhecimento de si mesmo e do direito, e nessa perspectiva ele discorda de Hobbes, pois o sujeito respeita o direito do próximo porque se reconhece nele como vulnerável e portador de direito.

Não é de se estranhar, portanto, que o pensador que se põe como primeira e principal referência para Honneth em Luta por reconhecimento, seja Hegel, já que este une pretensões estritamente universalistas com a preocupação permanente com o desenvolvimento do indivíduo, do singular. Não por acaso também, é no jovem Hegel que Honneth encontrará os elementos mais gerais da “luta por reconhecimento” que lhe permitiram se aproximar da “gramática moral dos conflitos sociais”. (Honneth, 2003, p. 17).

No entanto, Hegel não concebeu o processo de formação, descrito na qualidade de um movimento de reconhecimento mediado pela experiência da luta por reconhecimento e sim, de como os sujeitos, mesmo sob condições de concorrência hostil, chegaram a uma ideia jurídica sobre o contrato social. 

Então a atenção teórica deve ser deslocada para aquelas relações sociais intersubjetivas através das quais um consenso normativo mínimo é previamente garantido desde o começo; pois apenas nessas relações pré-contratuais de reconhecimento recíproco, ainda subjacentes as relações de concorrência social, pode estar ancorado o potencial moral, que depois se efetiva de forma positiva na disposição individual de limitar reciprocamente a própria esfera de liberdade. (Honneth, 2003, p. 85)

Honneth (2003), concorda com Hegel em contraposição Hobbes, na verdade não se trata de uma luta pela conservação da própria vida, nem por poder, mas sim, pelo reconhecimento do outro em nós. Na perspectiva de Honneth (2003), o tipo de luta social abordada em sua teoria do reconhecimento é por questões intersubjetivas, e não por objetivos de auto-conservação ou aumento de poder.

Antes, interessam-lhe aqueles conflitos que se originam de uma experiência de desrespeito social, de um ataque a identidade pessoal ou coletiva, capaz de suscitar uma ação que busque restaurar relações de reconhecimento mútuo ou justamente desenvolvê-las num nível evolutivo superior. Por isso, para Honneth, é possível ver nas diversas lutas por reconhecimento urna força moral que impulsiona desenvolvimentos sociais. A reconstrução da lógica dessas experiências do desrespeito e do desencadeamento da luta em sua diversidade se articula por meio da análise da formação da identidade prática do indivíduo num contexto prévio de relações de reconhecimento. (Honneth, 2003, p. 18).

Quando Hegel trata da questão de um indivíduo reconhecido e, ao mesmo tempo, reconhecente ele coloca uma situação de intersubjetividade, e também, de interdependência, pois, ambos, reconhecente e reconhecido dependem um do outro numa relação interdependente. Um autor importante dessa proposição é Goffman[3] na teoria da interpretação e da fachada, quando ele diz que: o que legitima a minha interpretação é o reconhecimento do outro no meu papel.

Hegel explicita desse modo o que significa incluir no estado de natureza a pressão para o reconhecimento recíproco como um fato social, conscientes de suas relações prévias de reconhecimento, elevando-as expressamente a uma relação jurídica intersubjetivamente partilhada.

Ainda, este tema traz à tona a questão de “habitus” (Bourdieu), relacionadas a Internalização da exterioridade e exteriorização da internalidade, e “estruturação” (Gidens): estrutura estruturada e ao mesmo tempo estruturante, todavia, é estruturada e estruturante na medida em que torna o indivíduo um ser reconhecente e ao mesmo tempo reconhecido (interdependentes). A ação de um condiciona a do outro e sustenta como coisas estruturantes e estruturadas.

Por conseguinte, logo após a frase em que indicara o significado da "relação que reconhece", segue a afirmação francamente programática: “No reconhecer o sí cessa de ser esse singular; ele está juridicamente no reconhecer, isto é, não está mais em seu ser imediato. O reconhecido é reconhecido como válido imediatamente, por seu ser, mas precisamente esse ser é gerado a partir do conceito; é ser reconhecido. O homem é necessariamente reconhecido e é necessariamente” reconhecente”. Essa necessidade é a sua própria, não o nosso pensamento em oposição ao conteúdo. Como reconhecer, ele próprio é o movimento, e esse movimento supera justamente seu estado de natureza: ele é reconhecer. (Honneth, 2003, p. 86).

A questão do reconhecimento em si é uma questão filosófica, a qual, Hegel reflete como forma de chegar a um entendimento mais abrangente sobre a teoria Hobbesiana do estado de natureza e a luta de todos contra todos. Para Hegel, o indivíduo não luta por sua auto preservação, luta pelo reconhecimento da sua individualidade, que permanece no cotidiano como relações conflituosas e prejudicam a construção de uma identidade ou de um indivíduo reconhecido.

Certamente, partindo dessa linha de pensamento:

A crítica imanente da doutrina do estado de natureza coincidiria de certo modo com a análise da constituição da pessoa de direito: uma descrição correta, acertada, daqueles processos de ação que se realizam sob as condições sociais da concorrência hostil teria justamente de expor o processo de formação no qual os indivíduos aprendem a se perceberem como seres dotados de direitos intersubjetivamente válidos. Por isso, depois de ter esboçado com suficiente clareza seus propósitos teóricos, Hegel é obrigado então a fazer essa descrição alternativa do estado de natureza; ele adota em seu texto a forma de uma exposição na qual o conflito em torno da tomada de posse unilateral é interpretado como uma "luta por reconhecimento", e não como uma "luta por auto-afirmação".  (Honneth, 2003, p. 87).

Na vida cotidiana existe uma expectativa gerada pela convivência social de que o outro veja que eu existo, que me perceba ao passar por mim e que me reconheça como semelhante, entretanto, existe uma segregação social entre alguns, que faz com que pessoas que ocupem cargos menos significativos se tornem socialmente invisíveis. De outro modo, a superioridade que o indivíduo sente ao não direcionar a sua atenção, campo de visão e percepção do outro, distancia cada vez mais do que deveria ser uma atmosfera de igualdade.

Há uma tendencia a ignorarmos uma pessoa pedindo esmolas ou em situação de vulnerabilidade, assumimos uma atitude blasé diante de situações de descasos alheios pois entendemos de forma naturalizada que aquilo existe em qualquer lugar e que é normal.

É particularmente decisivo nessa imagem inicial o fato de Hegel derivar a formação reativa dos sujeitos excluídos de uma constelação de motivos cujo núcleo é constituído pela desilusão das expectativas positivas em relação ao parceiro de interação: diferentemente da descrição de Hobbes, o indivíduo reage aqui a tomada de posse não com o sentimento de medo de ser ameaçado futuramente em sua auto conservação, mas com a percepção de ser ignorado por seu defrontante social. (Honneth, 2003, p. 87)

A questão de ser ignorado pelo seu defrontante social pode ser o que gera uma reação agressiva no indivíduo em contra-ataque ao indivíduo defrontante. Sendo assim, ele não tenta lesar a propriedade alheia para satisfazer as suas necessidades sensíveis, mas sim, para se dar a conhecer novamente ao outro.

  Em algumas empresas, por exemplo, isso se confirma totalmente de forma literal, algumas pessoas não tem nenhum tipo de cuidado com os bens da empresa e não se preocupam que esses venham a ser danificados. Em determinado caso numa empresa, um gerente recebeu a visita de uma pessoa muito importante, um diretor internacional, o qual ao passear pelo armazém com o visitante foi dar um bom dia a um funcionário e foi hostilizado verbalmente. Piaget fala sobre violência em resposta as frustrações[4]. Quando estava sozinho o gerente não falava com os funcionários nem respondia aos seus cumprimentos. A reação em forma de uma linguagem verbal grosseira é uma manifestação do não reconhecimento. Do não ter a sua subjetividade reconhecida em outros momentos.

Hegel interpreta a reação destrutiva da parte excluída como um ato cujo objetivo verdadeiro é recuperar a atenção do outro: "O excluído lesa a posse do outro; ele coloca seu ser-para-si excluído nisso, seu meu [sein Mein]. Ele destrói algo nisso, [um] aniquilar como o do desejo, para dar-se seu sentimento de si, mas não seu sentimento de si vazio, senão que pondo seu sí em um curto si, no saber de um outro. (Honneth, 2003, p. 88).

É assim que Hegel interpreta a sua visão da luta de todos contra todos. Para ele, na verdade os indivíduos lutam entre si por reconhecimento e pela garantia dos direitos individuais. É se reconhecendo no outro como indivíduo que ele vai criar o contrato social para também não perder a garantia do próprio direito individual, ele lutará por reconhecimento e ao mesmo tempo é um ser reconhecente, criando uma relação de interdependência a qual ele depende do seu defrontante social e vice-versa para que exista uma relação reciproca de reconhecimento capaz de se reproduzir unicamente através da práxis intersubjetiva do reconhecimento recíproco.

A esfera do “ser-reconhecido” se forma pela via de uma acumulação dos resultados de todos os processos de formação individuais tomadas conjuntamente e por sua vez é mantida em vida somente pela nova constituição dos indivíduos em pessoas de direito. (Honneth, 2003, p. 95).

Herbert Mead; seus escritos contêm até hoje os meios mais apropriados para reconstruir as intuições da teoria da intersubjetividade do jovem Hegel num quadro teórico pós-metafísico. No entanto, Mead partilha com o Hegel do período de Jena mais do que simplesmente a ideia de urna gênese social da identidade do Eu; e, em suas abordagens filosóficos políticos, ambos os pensadores estão de acordo não só na crítica ao atomismo da tradição contratualista. (Honneth,  2003. Pg. 125).

Tanto em Hegel quanto em Mead é possível analisar uma teoria do reconhecimento com determinado grau de convergência em relação a uma tripartição constituinte do conceito básico de “Amor, Direito e Solidariedade”, que podem ser analisadas separadamente nas relações sociais como interdependentes.

Contudo, tanto em Mead como em Hegel não se encontra uma característica da luta por reconhecimento daquelas formas de desrespeito experienciáveis equivalente ao fato do reconhecimento denegado. Denegado(a), é a característica de algo que não foi permitido, que não foi concedido.

Honneth (2003), se refere as experiências de desrespeito, ofensa e de rebaixamento as quais passam os indivíduos. Nesse sentido, se torna necessário saber em quais níveis de auto relação, intersubjetivamente adquirida, as formas de desrespeito atingem, lesam ou chegam a destruir.

Mas, por mais extensa que possa ser urna tal lista de interconexões no plano da história teórica, ela dificilmente pode provar mais que a grande plausibilidade de uma subdivisão da vida social em três esferas de interação; é manifestamente óbvio distinguir formas de integração social conforme ela se realize pela via das ligações emotivas, da adjudicação de direitos ou da orientação comum por valores. (Honneth, 2003. p. 158).

            O reconhecimento reaparece na psicologia social de Mead com uma concepção materialista da luta intersubjetiva por reconhecimento, como hipótese empírica.

É possível atribuir de fato diferentes formas de reconhecimento recíproco a diversas etapas de auto relação prática do ser humano, Amor, Direito e Solidariedade.


NOTAS DE RODAPÉ


[1]          Nascido em 1949, Axel Honneth apresentou sua tese de doutoramento a Universidade Livre de Berlim em 1983, cuja publicação em livro deu-se em 1985, sob o título de Kritik der Match. Reflexions stufen einer kritischen Gesellschaftstheorie (Crítica do poder. Estágios de reflexão de urna teoria social crítica). Entre 1984 e 1990, foi assistente de Jürgen Habermas no Instituto de Filosofia da Universidade de Frankfurt, onde apresentou sua tese de livre docência, cuja versão em livro é exatamente este Lula por reconhecimento. A gramática moral dos conflitos sociais, publicado em 1992. Em 1996, Honneth sucedeu a Habermas em seu posto na Universidade de Frankfurt. Em maio de 2001, Honneth assumiu também a direção do Instituto de Pesquisa Social. (HONNETH, 2003, p. 10).

[2]          Abraham H. Maslow (1908-1970), um dos maiores especialistas em motivação humana. Maslow apresentou uma teoria da motivação segundo a qual as necessidades humanas estão organizadas e dispostas em níveis, em uma hierarquia de importância e de influenciação. Essa hierarquia de necessidades pode ser visualizada como uma pirâmide. Na base da pirâmide estão as necessidades mais baixas (necessidades fisiológicas) e no topo, as necessidades mais elevadas (as necessidades de autorealização). (CHIAVENATO, 2003, p.329).

[3]              (GOFFMAN, 1985), (A representação do eu na vida cotidiana).

[4] LIMA , Lauro de Oliveira. (1921). Piaget Para Principiantes. Pg.30.


BIBLIOGRAFIA


HONNETH, A. (2003). Luta por Reconhecimento. SÃO PAULO: Editora 34.

SOBOTTKA, E, A. (2015). Reconhecimento: Novas abordagens em teoria crítica. São Paulo: Annablume.

Comments


bottom of page