Alexsandro Araujo
Na perspectiva de (Holanda, 1995), alguns aspectos do tratamento pessoal com as divindades da igreja católica são características unicamente da religião no Brasil. O autor cita que a reverência e a formalidade com a qual as pessoas se tratam, umas com as outras no Japão pouco se difere do ritual com que eles cultuam à sua divindade xintoísta. Segundo Holanda (1995), nenhum povo está mais distante dessa noção ritualística da vida quanto o brasileiro.
Parafraseando Holanda (1995), essa característica de pouca formalidade aqui no Brasil vem de do jeito descerimonioso de viver e de se expressar do brasileiro. Do homem simples e humilde, hospitaleiro e generoso. Para o autor, o Brasil deu ao mundo o “Homem Cordial”. Um cidadão acolhedor que está sempre feliz, disposto a ajudar e que acredita muito em “Deus”.
Seria engano supor que essas virtudes possam significar “boas maneiras”, de civilidade. São antes de tudo expressões legitimas de um fundo emotivo extremamente rico e transbordante. (Holanda, pg. 147. 1995)
Esse modo de enxergar o mundo também refletiu no modo como ele cultuava as suas divindades e isso teve efeito no seu tratamento religioso, pessoal e familiar. A característica de usar o diminutivo, “inho” para falar e se expressar torna tudo mais próximo e pessoal, tanto com as coisas quanto com as pessoas, por exemplo, santa Teresa de Lisieux – santa Teresinha, nossa Senhora de Nazaré – Nazinha etc. Como também usa com as coisas, por exemplo, meu carrinho, minha casinha etc.
Nas palavras de Holanda (1995), o brasileiro se sente incomodado ao ter que se colocar numa situação de reverencia prolongada diante de um superior. Nosso temperamento admite formas de reverencia desde que não impeça a possibilidade de um convivo mais familiar, por causa da predominância do desejo de estabelecer intimidade.
O “nosso” relacionamento é ditado por aspectos de fundo emotivo e isso reflete também na religião.
Afirma Holanda (1995), com a decadência na Europa, da religião palaciana, das grandes igrejas góticas, surge um sentimento religioso mais humano e singelo. Cada casa quer ter a sua capela e se ajoelhar diante dos seu padroeiro e protetor. Os santos não são mais vistos como entes distantes e privilegiados distante de qualquer sentimento humano.
O próprio “Deus” passa a ser um amigo familiar, doméstico e próximo, diferente do “Deus” palaciano.
Seria o caso do “bom selvagem”, um indivíduo não muito polido nas suas atitudes, mas com um coração e uma predisposição para fazer o bem.
Na contemporaneidade a pobreza e a falta de oportunidades podem coagir a entrada dos indivíduos no mundo das drogas e do tráfico, e isso pode ser um salvo-conduto para justificar a sua sobrevivência. Um trabalho informal, não interferindo na sua crença em uma religião ou divindade, justificado pela pobreza extrema.
Ao se crer num relacionamento íntimo e pessoal com uma divindade há também um aspecto multifacetado e muitas vezes controverso, que permitem cometer ilegalidades, atitudes como coerção, roubo, tráfico desde que a fé não seja negligenciada.
A associação de facções criminosas com lideranças evangélicas no Rio de Janeiro está em franco desenvolvimento. A Tropa de Arão, por exemplo, domina já há algum tempo uma vasta área de favelas, chamada Complexo de Israel, em referência à "terra prometida" para o "povo de Deus" na Bíblia. Nessa modalidade, a facção exige conversão e práticas religiosas específicas para adesão e permanência na organização…[1]
Há também a questão do maniqueísmo, ou seja, é “natural” que traficantes invadam e destruam cultos de matriz africana acreditando que estão em missão divina, e destruir terreiros de candomblé seria acabar com o mau. O adversário de Deus, que eles chamam de “inimigo”, está ligado as religiões mundanas e pagãs.
Pessoas carentes, que não tem condições dignas de sobrevivência, podem acreditar numa mudança de vida por meio da religião e de uma aproximação com “Deus”, pensando ter uma oportunidade futura como um milagre e que poderão deixar o tráfico no futuro.
Por isso, em alguns casos, os traficantes se apropriam de símbolos religiosos como uma forma de legitimar suas atividades ilegais aos olhos das comunidades locais.
Na musicalidade das comunidades é possível ver a introdução cultural de viés religioso glorificando o que é considerado para eles como sagrado.
Fé em Deus que ele é justo!
Ei, irmão, nunca se esqueça
Na guarda, guerreiro, levanta a cabeça, truta
Onde estiver, seja lá como for
Tenha fé, porque até no lixão nasce flor
Ore por nós, pastor, lembra da gente
No culto dessa noite, firmão, segue quente
Admiro os crentes, dá licença aqui...[2]
Além disso, para muitos indivíduos envolvidos no tráfico de drogas, a religião pode oferecer um senso de propósito, significado e redenção em um mundo marcado pela violência e pela falta de oportunidades. Alguns podem interpretar suas atividades criminosas como parte de um destino, justificando suas obras como necessárias para a sobrevivência ou para o avanço de uma causa maior.
Bibliografia e Referências:
HOLANDA, S. B. (1995). Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras.
[1] Bandeira de Israel, guerra santa: o que se sabe sobre a 'facção evangélica'. Fonte: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimasnoticias/2024/03/13/tropa-de-arao-o-uso-da-religiao-como-escudo-para-a-pratica-de-crimes-no-rj.htm?cmpid=copiaecola. Acesso em 13/03/2024.
[1] Vida Loka (parte 1) Racionais MC's. Fonte: Vida Loka (parte 1) - Racionais MC's - LETRAS.MUS.BR. Acesso em 13/03/2024.
[1] Bandeira de Israel, guerra santa: o que se sabe sobre a 'facção evangélica'. Fonte: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimasnoticias/2024/03/13/tropa-de-arao-o-uso-da-religiao-como-escudo-para-a-pratica-de-crimes-no-rj.htm?cmpid=copiaecola. Acesso em 13/03/2024.
[2] Vida Loka (parte 1) Racionais MC's. Fonte: Vida Loka (parte 1) - Racionais MC's - LETRAS.MUS.BR. Acesso em 13/03/2024.
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