A ascensão de Bolsonaro sob a ótica da psicologia social e política
- Alexsandro Alves de Araujo
- 19 de jul.
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Atualizado: há 1 dia

Alexsandro Araujo
O processo de ascensão de Jair Bolsonaro à presidência da República não pode ser compreendido de forma simplista ou apenas pelas vias formais da política institucional. Trata-se de um fenômeno complexo que envolve o entrelaçamento entre as emoções coletivas, a manipulação simbólica das massas, o avanço do conservadorismo religioso e a fragilidade das instituições democráticas no Brasil.
De 2016 a 2018, o país assistiu a um processo de crescente polarização política e social, iniciado com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff e aprofundado por uma campanha eleitoral marcada pela irracionalidade e pela disseminação em massa de desinformação. O impeachment de Dilma Rousseff, aprovado em 31 de agosto de 2016, com 61 votos favoráveis e 20 contrários no Senado, é considerado por muitos como uma ruptura institucional sem a devida comprovação de crime de responsabilidade. Embora a narrativa legal tenha se sustentado em aspectos técnicos, como as chamadas “pedaladas fiscais”, o caráter político do processo escancarou o uso estratégico da crise para afastar o Partido dos Trabalhadores do poder e abrir caminho para uma guinada à direita.
O então vice-presidente Michel Temer assumiu o governo, dando início a uma transição que culminaria na eleição de Bolsonaro. A permissão para que Dilma disputasse eleições posteriormente contradiz a tese de que seu afastamento se baseou na Lei da Ficha Limpa, sugerindo uma manobra política mais do que jurídica.
"As massas organizadas sempre desempenharam um papel considerá- vel na vida dos povos; mas esse papel jamais foi tão importante quanto hoje em dia. Le Bon (2013, Pg. 3).
De acordo com Burity (2024), no vácuo deixado pelo descrédito da política tradicional, emerge uma figura que encarna a antipolítica, a ordem e a moralidade conservadora: Jair Bolsonaro. A sua ascensão, no entanto, não é um fenômeno isolado. Ela se insere em um contexto de instabilidade global, crise econômica, ascensão do populismo de direita e radicalização das massas.

"A ação inconsciente das massas que substitui a atividade consciente dos indivíduos é uma das principais características da era atual." Le Bon (2013, Pg. 3).
As massas são regidas por impulsos irracionais, emoções coletivas e sugestões simbólicas. O líder carismático não necessita de argumentos racionais, mas de imagens, frases de efeito, inimigos comuns e promessas de redenção Le Bon (2013, p. 5).
No Brasil de 2018, esse líder encontrou terreno fértil entre aqueles que, desiludidos com a política e seduzidos pela ideia de “limpar o país”, passaram a agir coletivamente sob o impulso de um inconsciente social alimentado por fake News, ressentimentos históricos e discursos de ódio.

As eleições de 2018 se deram em meio à disseminação de notícias falsas via redes sociais e aplicativos de mensagens, em especial o WhatsApp. A desinformação tornou-se um instrumento de manipulação das emoções coletivas, promovendo uma guerra cultural contra universidades públicas, professores, artistas e movimentos sociais. A polarização foi intensificada a tal ponto que o espaço público passou a ser tomado por dicotomias simplistas como: “esquerdopatas” e “bolsominions”, impossibilitando o diálogo racional.
Como afirmou Le Bon, “as instituições e as leis são a manifestação da alma, expressão de suas necessidades” Le Bon (2013, p. 2), e, portanto, quando a irracionalidade coletiva toma conta, essas instituições perdem legitimidade diante dos olhos das massas.
Le Bon (2013), ainda afirma que:
“As massas só têm o poder de destruir”, agindo como “micróbios que ativam a dissolução dos corpos debilitados” Le Bon (2013, p. 8).
Isso ajuda a entender por que, mesmo diante de declarações antidemocráticas, discursos violentos e um histórico parlamentar irrelevante, Bolsonaro foi eleito presidente da República: ele falava a linguagem simbólica e emocional das massas Le Bon (2013).
Nesse cenário, a religião desempenhou papel central. Conforme analisa Burity (2024), o fenômeno da “minoritização” dos evangélicos, sua ascensão como força política ativa e sua tentativa de se tornar uma “religião pública”, foi essencial para a consolidação do bolsonarismo. Ao longo de quatro décadas, lideranças evangélicas se aproximaram do poder político, culminando na formação da chamada “bancada da Bíblia”.
Burity (2024), destaca que o surgimento da bancada evangélica nas eleições de 1986 foi um marco fundamental para a entrada dos evangélicos na política institucional. Este período marcou a ativação do "político" na sociedade brasileira, onde os evangélicos começaram a reivindicar espaço no cenário público, especialmente diante da redemocratização.

É importante destacar que a atual oposição entre setores evangélicos e partidos de esquerda, especialmente o Partido dos Trabalhadores, nem sempre foi uma constante na política brasileira. Durante os dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003–2010), o governo contou com significativo apoio de segmentos evangélicos, inclusive da Igreja Universal do Reino de Deus. A escolha de José Alencar, empresário filiado ao PL e ligado a setores conservadores, como vice-presidente, é reveladora dessa aliança pragmática. Conforme observa Burity (2024), esse período foi marcado por uma relativa convivência entre as agendas sociais do governo e os interesses do campo evangélico.
Contudo, a partir de 2010, com o avanço de pautas progressistas como a descriminalização do aborto, a legalização das drogas e o reconhecimento de identidades de gênero e orientações sexuais diversas, esse grupo religioso começou a se distanciar do campo da esquerda. O conservadorismo moral, que até então convivia com o progressismo econômico, radicalizou-se, reposicionando os evangélicos como uma força política antagônica às pautas progressistas. Segundo Burity (2024), a ascensão do conservadorismo no cenário global, somada às tensões políticas internas, contribuiu para o fortalecimento da identidade política dos evangélicos no Brasil. O apoio a Jair Bolsonaro e o afastamento em relação ao governo de Dilma Rousseff consolidaram o campo evangélico como um ator relevante na arena política nacional.
Parafraseando Burity (2024), essa inflexão marca a transformação dos evangélicos em um polo de resistência às agendas de direitos civis, consolidando o campo religioso como ator central no fortalecimento da chamada “máquina de ressonância evangélico-capitalista”, caracterizada pela aliança entre interesses religiosos e econômicos conservadores. A resistência do governo Dilma em atender às pautas morais conservadoras gerou atritos com a bancada evangélica, liderada à época por Eduardo Cunha, o que, em última instância, contribuiu para o controverso processo de impeachment da presidenta.
O conservadorismo moral evangélico encontrou em Bolsonaro um porta-voz de suas pautas, como a oposição ao aborto, à educação sexual nas escolas, aos direitos LGBTQIA+ e à laicidade do Estado. Esse processo deu origem a uma nova narrativa populista religiosa que se pretendia representar a “maioria cristã”, moralmente superior e destinada a “salvar a nação” Burity (2024, p.16-18).
No entanto, Burity (2024), alerta para o caráter ambíguo desse protagonismo religioso.
Se por um lado os evangélicos se apresentaram como alternativa à esquerda e ao catolicismo hegemônico, por outro, incorporaram vícios da política tradicional, como o fisiologismo, o clientelismo e a corrupção. A bricolagem política evangélica, baseada na improvisação e na performance moralizante, reproduziu os padrões do sistema político brasileiro, esvaziando o conteúdo ético que pretendia representar Burity (2024, p. 18).
Segundo o autor, os evangélicos “vão ser fisiológicos, corruptos, venais. Vão fazer o jogo da política com todos os vícios da cultura política brasileira” Burity (2024, p. 18).
A universidade pública e os professores, historicamente vinculados à crítica social, passaram a ser demonizados por esse novo campo ideológico. Como resultado, cortes orçamentários e discursos anti-intelectuais ameaçaram a produção de conhecimento e a mobilidade social via educação. A hegemonia cultural passou a ser disputada, não com argumentos, mas com ataques às instituições e à liberdade de cátedra. A educação crítica e a liberdade de catedra foram atacadas, por uma “consciência prática” esvaziada de reflexão, um saber funcional e técnico, sem compromisso com o pensamento autônomo.
Le Bon (2013), já alertava que:
“As massas são incapazes de ter quaisquer opiniões fora daquelas que lhes são impostas”, e que “não é com regras baseadas na justiça teórica pura que elas são conduzidas, mas procurando o que pode impressioná-las e seduzi-las”. Le Bon (2013, p. 9).
O bolsonarismo, portanto, pode ser lido como um fenômeno de massas, uma forma de religiosidade política e um reflexo das contradições sociais brasileiras. Mais do que um sujeito histórico isolado, Bolsonaro representa uma projeção coletiva, uma expressão do inconsciente político nacional, marcada por ressentimento, intolerância e desejo de ordem. Como espelho, ele reflete as sombras de uma sociedade que ainda não rompeu com o autoritarismo, o preconceito e a lógica da exclusão.

A superação desse ciclo requer, antes de tudo, romper com a lógica binária da política, que reduz tudo ao antagonismo entre direita e esquerda. É preciso recuperar a possibilidade do diálogo, da escuta e da crítica construtiva. É preciso, sobretudo, repensar a democracia como um projeto de formação ética, social e política, em que as massas não sejam apenas conduzidas, mas se tornem sujeitos ativos da transformação social.
Considerações finais
A ascensão de Jair Bolsonaro ao poder representou mais do que uma vitória eleitoral: simbolizou a capacidade de mobilização de forças inconscientes das massas, conforme descrito por Le Bon (2013). O bolsonarismo não nasceu de um programa político elaborado, mas da identificação instintiva com um discurso emocional, simbólico e moralizador, que capturou afetos, medos e ressentimentos difusos em uma sociedade fragilizada. A religiosidade protestante evangélica, especialmente o campo pentecostal, desempenhou papel fundamental nesse processo, ao se apresentar como representante legítimo de um “povo cristão” ameaçado por transformações culturais e avanços progressistas.
Lideranças religiosas que atuaram como psicólogos inconscientes da alma popular, conforme a definição de Le Bon (2013, p. 9), souberam manipular com precisão os sentimentos difusos da população evangélica. Ancorados em um imaginário de guerra espiritual e moral, esses líderes identificaram inimigos simbólicos, comunismo, ideologia de gênero, globalismo, intelectualismo, e canalizaram o medo em direção a uma figura messiânica que prometia restaurar a ordem. Nesse sentido, o apoio ao bolsonarismo não foi fruto apenas da racionalidade política, mas de um processo de sedução emocional e simbólica das massas.

De acordo com Burity (2024), a “minoritização” evangélica, transformou-se em religião pública com capacidade de disputar hegemonia cultural, política e moral no país. Porém, o que se apresenta como reação moral e redenção da nação, frequentemente esconde uma aliança oportunista com a extrema direita, marcada pela reprodução das estruturas políticas tradicionais e pela incorporação de vícios do sistema.
Assim como Le Bon (2013), advertia, as massas não são guiadas por justiça teórica, mas pelo que as impressiona; não pelas instituições, mas por símbolos que reforcem sua identidade e sua visão de mundo.
O caso brasileiro confirma que, quando o edifício de uma civilização começa a ruir, “são sempre as massas que o derrubam” Le Bon (2013, p. 8). E quando essas massas se articulam com discursos religiosos performáticos e líderes carismáticos, tornam-se instrumentos poderosos de ruptura institucional.
Se os evangélicos se tornaram protagonistas da cena política nacional, é porque compreenderam, ou intuíram, a alma coletiva do seu rebanho, moldando-a de acordo com interesses estratégicos.

À luz dessas reflexões, nota-se que, embora o governo do Partido dos Trabalhadores tenha sido frequentemente acusado, sobretudo por seus opositores, de manipular as massas por meio de políticas de assistência social e programas redistributivos, o bolsonarismo inaugura uma modalidade ainda mais insidiosa de controle das massas. Trata-se de um populismo que não apenas mobiliza o imaginário popular, mas instrumentaliza a religião como uma sofisticada tecnologia de poder simbólico e emocional. Nesse contexto, com base em Le Bon (2013), o líder não precisa apresentar um projeto racional ou articulado de sociedade; basta encarnar, por meio de imagens simples e frases de efeito, os afetos mais profundos e os medos mais arcaicos de uma coletividade em crise.
Por fim, para que a democracia se fortaleça, torna-se urgente compreender, como propôs Le Bon (2013), que não basta legislar com base na razão teórica, é preciso alcançar o coração das massas. E isso só será possível com educação crítica, fortalecimento das instituições e abertura ao diálogo plural, inclusive com os setores religiosos, sem ceder ao populismo moralizante e à manipulação dos afetos. A educação, ainda que atacada, continua a ser o espaço mais potente para formar consciências que resistam às seduções autoritárias e à bestialização coletiva.
Referências
BURITY, Joanildo. Minoritização, religião pública e populismo religioso no Brasil. REVER: Revista de Estudos da Religião, São Paulo, v. 24, n. 1, p. 11–27, 2024.
LE BON, Gustave. A psicologia das massas. Tradução de E. L. de Souza Campos. Niterói: Editora Teodoro, 2013.
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ARAÚJO, Henrique. Sessão histórica do impeachment de Dilma completa cinco anos. O Povo, 17 abr. 2021. Disponível em: https://mais.opovo.com.br/jornal/politica/2021/04/17/sessao-historica-do-impeachment-de-dilma-completa-cinco-anos.html. Acesso em: 19 jul. 2025.
CHUTANDO A ESCADA. Chute 111 – Balbúrdia nas Universidades Federais. Participação de Patrícia Tropia e Leonardo Barbosa. Podcast Chutando a Escada, 4 jun. 2019. Disponível em: https://chutandoaescada.com.br/2019/06/04/chute-111-universidades. Acesso em: 19 jul. 2025.
GP1. Malafaia chama Moraes de ‘ditador’ e critica GloboNews: ‘jornalismo canalha’. Teresina (PI), 18 jul. 2025. Disponível em: https://www.gp1.com.br/brasil/noticia/2025/7/18/malafaia-chama-moraes-de-ditador-e-critica-globonews-jornalismo-canalha-599386.html. Acesso em: 19 jul. 2025.
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![RESUMO DO LIVRO: Corrupção, Democracia e Legitimidade. Cap. [1]](https://static.wixstatic.com/media/c7df05_980cf46bcde340e68e8fc0d55a9489fe~mv2.png/v1/fill/w_886,h_501,al_c,q_90,enc_avif,quality_auto/c7df05_980cf46bcde340e68e8fc0d55a9489fe~mv2.png)


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