O PODER E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS TIPIFICAÇÕES
- Alexsandro Alves de Araujo
- 12 de mai.
- 7 min de leitura
O que são tipificações para (Peter L. Berger & Luckmann, 2014)?

Alexsandro Araujo
Segundo os autores: "Tipificações são construções intersubjetivas através das quais as pessoas categorizam e compreendem a conduta dos outros, com base em experiências anteriores e consensos sociais. Essas tipificações se sedimentam em esquemas de conhecimento socialmente compartilhados."
Em outras palavras, as tipificações são imagens ou modelos socialmente compartilhados que se tornam referências sobre como determinados papéis ou figuras devem agir, parecer ou falar. Essas imagens se tornam tão consolidadas que passam a parecer “naturais”.
Exemplo de um pastor evangélico: ao imaginar um pastor evangélico, muitas pessoas visualizam um homem de terno, com uma Bíblia na mão, linguagem formal ou religiosa, postura solene, etc. Ou um jogador de futebol: uma pessoa trajando roupas esportivas, de chuteira, porte atlético, camisas com nome e números etc. Estas imagens são tipificações socialmente construídas — um conjunto de atributos que, ao longo do tempo, foram associados a esse papel por meio da repetição cultural, da mídia, da experiência e da linguagem.
O que é o poder para Lebrun (2009)?

Estas tipificações não são fixas nem universais, mas são socialmente funcionais, pois permitem às pessoas agirem no mundo social com uma expectativa mínima de previsibilidade — algo fundamental para a vida cotidiana.
Ao refletirmos sobre o significado da palavra "poder", é importante compreender também o sentido da palavra "potência". Podemos tomar como exemplo os países considerados superpotências: embora possuam armas nucleares e outros meios de destruição em massa, isso não significa, necessariamente, que farão uso desses recursos sem que haja uma justificativa plausível ou uma necessidade extrema que legitime tal ação.
[...] A potência é a capacidade de efetuar um desempenho determinado, ainda que o ator nunca passe do ato. [...] não é a mesma coisa atribuir-se a uma criança ou a um arquiteto a potência de construir uma casa. Num caso isto quer dizer que, quando a criança se tornar adulto, poderá ser um arquiteto: quem sabe? Isto não é impossível. No outro caso, quer dizer que este arquiteto, atualmente sem trabalho, construirá uma casa, desde que o contratem: é seu este poder. Por um lado, “potência” designa uma virtualidade: por outro, uma capacidade determinada, que está em condições de exercer-se a qualquer momento. (Lebrun, 2009, p. 10).
Compreendido o significado de potência, é necessário agora refletir sobre o sentido da palavra força. Segundo Lebrun (2009, p. 11), “se numa democracia um partido tem peso político, é porque tem força para mobilizar um certo número de eleitores. Se um sindicato tem peso político, é porque tem força para deflagrar uma greve”. No entanto, isso não implica, necessariamente, o uso da força por meios coercitivos ou violentos. A força pode se manifestar de maneiras mais sutis: por exemplo, o charme da pessoa amada pode exercer influência numa relação, ao ponto de induzir decisões — afinal, como afirma o próprio (Lebrun 2009, p. 11), “uma relação amorosa é, antes de mais nada, uma relação de forças”.
A força, portanto, pode ser entendida como a canalização ou a realização da potência — sua determinação concreta. Já a potência (Macht) refere-se à capacidade de impor a própria vontade sobre uma ou mais pessoas, mesmo diante de resistência. Nesse contexto, por que utilizamos o termo poder em vez de potência?
Poder inclui um elemento suplementar, que está ausente de potência. Existe poder quando a potência, determinada por uma certa força, se explicita de uma maneira muito precisa. Não sob o modo de ameaça, de chantagem etc., mas sob o modo da ordem dirigida a alguém que, presume-se, deva cumpri-la. (Lebrun, 2009, p. 12).
Nas palavras de Lebrun (2009), Parsons recusa-se a conceber o poder como sendo, essencialmente, “uma ação imposta por um ator a outro ator”. Para ele, o poder não deve ser compreendido unicamente como dominação ou coerção, mas como uma capacidade funcional dos sistemas sociais para alcançar objetivos coletivos, baseada em um consenso mínimo entre os atores sociais.
[...] para ele, o poder não é simplesmente a capacidade de impor a sua vontade contra a de outra pessoa independente da resistência. [...] é antes, dispor de um capital de confiança tal que o grupo delegue aos detentores do poder a realização dos fins coletivos. Em suma, é dispor de uma autoridade, no sentido em que um escritor de renome, um pensador ilustre, um velho sábio... são autoridades no interior de um grupo dado (sem que esta autoridade implique uma ideia de coerção). (Lebrun, 2009, p.14).
Esse tipo de poder — entendido não como dominação coercitiva, mas como capacidade relacional e funcional — revela-se necessário em determinadas tipificações sociais, nas quais o uso legítimo do poder se faz presente. Ao assumir o papel de gestor, por exemplo, o indivíduo incorpora também as responsabilidades e expectativas vinculadas a esse papel, como se colocasse uma máscara.
Nesse sentido, Goffman (1985), ao citar Park, observa que “não é um mero acidente histórico que a palavra “pessoa”, em sua acepção original, signifique “máscara” (Lebrun, 2009, p. 27).
Desse modo, compreende-se que os sujeitos estão constantemente desempenhando papéis sociais, representando normas e valores por meio de “máscaras” que são legitimadas por processos de institucionalização — ou seja, pela padronização de comportamentos e práticas reconhecidas socialmente.
“Toda"” conduta institucionalizada envolve um certo número de papeis. Assim, os papeis participam do caráter controlador da institucionalização. Logo os atores são tipificados como executantes de papeis, sua conduta é ipso facto susceptível de reforço. (Peter L. BERGER, 2014, p. 100).
Levando em consideração tais fatos apresentados, por exemplo, podemos considerar dentro das empresas, que um gestor não precisa gritar ou ser rude com os seus subordinados para interpretar o seu papel ou mostrar o seu poder diante dos demais por que a sua função dentro da empresa já traz consigo a autoridade do seu cargo; essa reputação já foi socialmente atribuída a ele por meio do cargo.
A questão do poder das tipificações evidencia que a construção social do papel do gestor está ancorada em comportamentos historicamente reiterados. Essa construção resulta, muitas vezes, na associação do cargo a sentimentos de medo ou antipatia por parte dos subordinados. A função de encarregado, diretor, supervisor etc. é uma posição que já existe há muito tempo no interior das organizações, independentemente de quem a ocupe.
Trata-se, portanto, de uma função socialmente instituída, e não de uma qualidade inata do indivíduo. Essa constatação reforça que o exercício da chefia não é expressão de despotismo, o indivíduo não nasce policial, professor, gerente de qualquer empresa, mas sim, assume a atuação dentro de um papel previamente tipificado e legitimado pelas estruturas sociais. O seu poder é legitimado pelas instituições e deve ser usado enquanto ele está a serviço delas e não em uso pessoal para obter benefícios.
No cerne da praxiologia de Bourdieu encontra-se uma visão da história das sociedades humanas como um processo em que agentes individuais são socializados em estruturas objetivas e, ao comportarem-se com base nas disposições adquiridas nessa socialização, influenciam, por sua vez, o próprio ambiente estrutural objetivo em que estão imersos. A sociedade não existe exclusivamente como uma entidade exterior aos indivíduos ou como uma representação interna mantida por estes, mas como uma dialética entre o exterior e o interior, um “duplo processo de interiorização da exterioridade e exteriorização da interioridade” (PETERS, 2018. Pg. 201) apud (BOURDIEU, 1983:47)
A compreensão do poder nas relações sociais exige uma análise que vá além da mera imposição de vontades. O poder, enquanto fenômeno relacional, emerge da articulação entre papéis socialmente definidos e as tipificações que os legitimam.
Ele se realiza não apenas pela força ou coerção, mas pela internalização coletiva das expectativas e disposições associadas a determinadas funções — como o papel do gestor nas organizações ou todos os outros papeis na sociedade. Nesse contexto, a autoridade não reside no indivíduo isoladamente, mas na função que este ocupa, cuja legitimidade é sustentada por uma construção social e simbólica reiterada ao longo do tempo.
Conclusão
A partir da contribuição dos autores citados como: Gérard Lebrun (2009), Erving Goffman (1985), Peter Berger (2014), e Pierre Bourdieu (1989), é possível compreender que os papéis sociais são formas de expressão de uma potência institucionalizada, orientada por disposições historicamente consolidadas.
As tipificações dos papeis, por sua vez, moldam as percepções e reações diante de quem ocupa determinado papel, podendo, inclusive, influenciar sentimentos do tipo medo, respeito ou resistência baseados em experiencias anteriores.
Ao se considerar que os indivíduos desempenham esses papéis como atores sociais em cena, usando “máscaras”, as quais, são validadas por instituições, percebe-se que o poder se estrutura como uma rede de reconhecimentos, expectativas e normas previamente estabelecidas de formas interdependentes e intersubjetivas entre os atores sociais.
A análise do poder à luz das tipificações admite compreender como as relações de autoridade são naturalizadas, reforçando determinadas estruturas e desigualdades, mesmo sem o uso explícito da coerção.
A análise do poder a partir dos papéis sociais e das tipificações nos mostra a complexidade das relações que estruturam a vida em sociedade. O poder não deve ser entendido apenas como imposição ou coerção, mas como uma capacidade relacional, funcional e simbólica, sustentada pela legitimação social dos papéis que os indivíduos desempenham.
A figura de um gestor, policial ou um professor em uma sala de aula, por exemplo, evidenciam como a autoridade não reside apenas no indivíduo, mas é atribuída à posição socialmente reconhecida que ele ocupa. Essa autoridade está vinculada a uma construção histórica e simbólica, que associa determinadas funções a expectativas, comportamentos e disposições. Desta forma, mesmo que um estudante saiba que tem o direito de ir ao banheiro espera autorização do professor para sai da sala.
Além disso, as instituições, ao estabilizarem certos padrões de comportamento e conduta, contribuem para a perpetuação dessas tipificações, tornando-as referências sociais amplamente aceitas. Analisar o poder a partir destas perspectivas é fundamental para analisar as dinâmicas de dominação, autoridade e legitimidade presentes nas organizações e na sociedade em geral.
Berger e Luckmann mostram que:
As tipificações tornam o mundo social compreensível e previsível;
Elas estão na base da institucionalização, pois papéis sociais (como "professor", "pai", "médico", "pastor") são sustentados por tipificações;
São internalizadas pelos indivíduos durante o processo de socialização, tornando-se parte do que entendemos por "realidade social".
O que Lebrun diz:
O autor reflete sobre como o poder se manifesta não apenas pela força ou coerção, mas também pela aceitação social de determinados papéis, que carregam uma autoridade já legitimada culturalmente.
Lebrun retoma Parsons ao dizer que o poder legítimo é aquele baseado em confiança social, em papéis reconhecidos como necessários para a realização de fins coletivos. Isso é justamente o que sustenta a eficácia das tipificações: elas são modelos de conduta aceitos como legítimos pelos membros de um grupo.
REFERÊNCIAS
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.
GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis: Vozes, 1985.
LEBRUN, Gérard. O que é poder. São Paulo: Brasiliense, 2009.
BERGER, Peter L. & LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade. 34ª ed. Petrópolis: Vozes, 2014.
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