Bell Hooks e a construção de comunidades abertas na prática docente.
- Alexsandro Alves de Araujo
- 14 de jun.
- 4 min de leitura
Atualizado: 15 de jun.
Alexsandro Araujo
A educação como prática da liberdade é um
jeito de ensinar que qualquer um pode aprender.
Bell Hooks

A construção de ambientes de aprendizagem inclusivos e dialógicos constitui elemento central nas propostas pedagógicas que visam a superação das formas tradicionais de ensino e a emancipação dos sujeitos. Essa abordagem, inspirada fortemente na obra de Paulo Freire (1987; 2014), propõe uma educação como prática da liberdade, rompendo com modelos hierárquicos e excludentes que historicamente marcaram o processo educacional.
Em Ensinando a transgredir: A educação como prática da liberdade, Hooks (2013) desenvolve o conceito de comunidades abertas de aprendizagem, destacando a sala de aula como um espaço de resistência, inclusão e transformação social. Nesse contexto, o processo educacional assume uma dimensão política e emancipadora, na qual professores e estudantes colaboram na construção do conhecimento de maneira dialógica e crítica. Para Freire (1987), a educação tradicional frequentemente reproduz o status quo, ao falhar em estimular o pensamento autônomo e a reflexão crítica dos estudantes. Desse modo, o poder permanece concentrado nas mãos dos grupos dominantes, perpetuando as desigualdades sociais.
Segundo Freire (2014), a libertação dos oprimidos demanda uma prática educativa distinta, centrada na conscientização e no diálogo horizontal entre professores e estudantes, permitindo que ambos se humanizem no ato de ensinar e aprender. Nessa perspectiva, o estudante não pode ser visto como um sujeito vazio de conhecimento, subordinado à autoridade absoluta do professor. A perpetuação dessa hierarquia, como afirma o autor, enfraquece o aluno ao conduzi-lo a uma aceitação passiva da ordem social opressora, sustentada por discursos ideológicos como o de “ordem e progresso”, em que a “ordem”, na prática, representa a manutenção do imobilismo e não o verdadeiro progresso. Progresso, para Freire, exige transgressão: é a ruptura com o estado de coisas que perpetua a opressão e o silenciamento.
Nesse sentido, Hooks (2013) complementa e aprofunda a perspectiva freireana ao afirmar que a educação libertadora é, fundamentalmente, um ato de transgressão. As comunidades abertas de aprendizado propostas pela autora flexibilizam as fronteiras hierárquicas tradicionais, reconhecendo todos os sujeitos envolvidos no processo educativo como participantes ativos na produção de conhecimento. Inspirada na pedagogia dialógica de Freire (1987), Hooks critica veementemente o modelo bancário de educação, que reduz o estudante a um recipiente passivo de informações. Em sua visão, o ensino deve integrar razão e emoção, possibilitando um aprendizado conectado às experiências culturais, sociais e afetivas dos discentes.
Como destaca a própria autora: “A educação como prática da liberdade é um jeito de ensinar que qualquer um pode aprender” (Hooks, 2013, p. 15). A centralidade do diálogo na prática pedagógica é, portanto, inegociável. O estabelecimento de uma comunicação aberta entre professores e alunos, bem como entre os próprios estudantes, favorece um ambiente de respeito mútuo e de validação das experiências pessoais dos educandos. Este reconhecimento das trajetórias individuais contribui para a construção de práticas inclusivas e acolhedoras, rompendo os silenciamentos impostos pelas estruturas de opressão baseadas em gênero, raça e classe, tão presentes tanto na obra de Hooks (2013), quanto na de Freire (2014).
Complementarmente, Mészáros (2005) insere-se nesse debate ao afirmar que a educação precisa ser pensada para além dos interesses do capital global. Em sua análise, os sistemas educacionais frequentemente servem aos imperativos do mercado, restringindo o desenvolvimento crítico dos indivíduos e perpetuando uma lógica de subordinação econômica e social. Assim, a educação emancipada deve ultrapassar os limites impostos pelo capital, assumindo o compromisso de formar sujeitos críticos e conscientes, capazes de intervir ativamente na realidade.
A partir dessas contribuições teóricas, é possível delinear propostas concretas para a transformação das práticas pedagógicas, com base nos princípios defendidos por Hooks (2013), Freire (2014) e Mészáros (2005):
Propostas Pedagógicas Inspiradas em Hooks (2013) | Descrição |
Proposta 1: Diálogo horizontal | O docente pode atuar como mediador do conhecimento, promovendo um ambiente em que os estudantes possam expressar suas ideias e experiências. Metodologias como rodas de conversa, debates, seminários e trabalhos em grupo favorecem o diálogo e o respeito mútuo. |
Proposta 2: Validação das experiências individuais | As vivências sociais e culturais dos estudantes são incorporadas ao planejamento pedagógico, tornando o ensino mais significativo. Métodos como história oral, projetos interdisciplinares e pesquisas contextualizadas ampliam o engajamento dos estudantes. |
Proposta 3: Inclusão e diversidade | A sala de aula deve ser um espaço plural, acolhendo as diferentes vozes presentes. O uso de materiais didáticos diversificados, como recursos audiovisuais e debates sobre questões de gênero, raça e classe, permite o enfrentamento crítico das estruturas de opressão. |
Proposta 4: Reflexão crítica e transformação social | A educação deve estimular a reflexão crítica e o engajamento social. É fundamental que o currículo dialogue com os problemas concretos da realidade dos estudantes, incentivando-os a se posicionarem criticamente e a proporem soluções transformadoras. |
Dessa forma, a contribuição de Hooks (2013) e Freire (1987; 2014), em diálogo com Mészáros (2005), fornece um bom referencial teórico para a construção de práticas pedagógicas libertadoras. Trata-se de uma pedagogia fundamentada no diálogo, no afeto, na valorização das experiências dos educandos e no enfrentamento das múltiplas opressões estruturais. A educação, nesse horizonte, é concebida como ato de resistência, amor e transformação, convocando os professores a assumirem um papel ativo na formação de sujeitos críticos e emancipados, capazes de transformar a sociedade em que estão inseridos.
REFERÊNCIAS
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 50. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
HOOKS, bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. São Paulo: Martins Fontes, 2013.
MÉSZÁROS, István. Educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2005.
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