O Paradoxo da Democracia: Igualdade Formal vs. Desigualdade Social
Alexsandro Araujo
Para Miguel (2014, Pg. 145), “há, nas democracias liberais contemporâneas, uma convivência difícil entre o preceito da igualdade política formal e o fato de que a maior parte das cidadãs e dos cidadãos está excluída dos processos decisórios”.
O Autor cita duas características importantes que influenciam nessas opiniões: Mecanismos de exclusão política e os limites da democracia liberal.
O primeiro caso será abordado baseado na teoria do Campo de Bourdieu, o autor se refere sobre as configurações do campo político cujo o poder simbólico de outros tipos de capital, como o cultural e social podem influenciar na participação política e na representatividade de interesses dando status de poder dentro do campo. Aliás, segundo o autor, o próprio nome, campo, já define um lado de dentro e um de fora.
O campo pode ser “o campo político”, “acadêmico”, “cultural” etc. Por exemplo: líderes políticos indígenas ou de comunidades tradicionais podem enfrentar mais resistência ao tentar ingressar no campo político. Mesmo que consigam ser eleitos, muitas vezes irão precisar ajustar o seu discurso e ações para se alinhar às normas do campo político, o qual é dominado por elites urbanas, brancas, “de maioria religiosa”, o que pode diminuir a representatividade das suas pautas originais. Esse grupo tende a ser excluído ou, baseado em Burity (2024), “minoritizado” pelo próprio mecanismo político.
Para o Miguel (2014):
Em geral, “democracia” e “dominação” são conceitos que não aparecem juntos. O regime democrático é caracterizado pela igualdade política formal, traduzida no peso idêntico de todos os votos e na possibilidade de que, em tese, qualquer cidadã ou cidadão se candidate para ocupar os cargos de governo. Miguel (2014, Pg. 146).
Ou seja, todo o cidadão tem o direito de pleitear uma eleição, mas as instituições políticas cuja representação se dão por meio dos partidos políticos, legendas e influências de coligações dificultam a entrada de pessoas mais simples, sem experiencia e representatividade política que desconhecem o campo político e que não tenham condições econômicas de financiar as suas candidaturas.
As escolhas dos representantes geralmente favorecem àqueles que já têm experiência e conhecimento das práticas institucionais, apoio de partidos influentes, afastando candidatos com abordagens mais “polêmicas” ou não convencionais.
De acordo com Miguel (2014, Pg. 146), “A democracia, assim, surge na reflexão política convencional como sendo a solução para o problema da dominação”. No entanto, no processo democrático há uma extrema desigualdade entre os atores e agentes políticos, como afirma o autor: há uma “igualdade formal”.
Para Miguel (2014, Pg. 146), “A igualdade formal depende de recursos desigualmente distribuídos para se efetivar em influência política”. E essa frase do autor talvez defina todo o seu texto. Ou seja, a igualdade é simplesmente simbólica, porém, na prática, a desigualdade é predominante para garantir o processo de decisão no qual necessariamente se faz imprescindível um desiquilíbrio de forças para que cause o resultado de ganha/perde. Nessa assimetria de poder a balança viciada geralmente nunca muda e pende sempre para o lado do mais forte.
O próprio mecanismo eleitoral é uma instância de seletividade, na medida em que, como buscaram demonstrar Offe e Wiesenthal, privilegia a expressão de interesses individuais, em vez daqueles ligados às identidades coletivas. Miguel (2014, Pg. 147).
Com efeito, o autor cita Michel Foucault para explicar como o regime democrático opera no sentido de produzir cidadãos acostumados com o próprio processo político. Foucault explana sobre o conceito de "tecnologias da cidadania", que implica que os cidadãos não apenas saibam exercer os seus direitos, mas são, em certa medida, treinados ou moldados para atuar de acordo com as normas e práticas estabelecidas pelo sistema político. Como uma teoria da ação do ator social que estrutura o campo e que também é estruturada por ele.
Por exemplo, podemos ver essa lógica em Bourdieu; Weber e Giddens:
A teoria do habitus, de Pierre Bourdieu, Peters (2028), na qual o indivíduo internaliza a exterioridade e externaliza a interioridade estruturando o habitus. Ou seja, embora o ator social pense que está exercendo o seu direito democrático, ao agir, está consolidando o sistema político e sendo influenciado por ele ao internalizar e externalizar o seu habitus.
Ação social segundo Weber (2009), pode ser: racional, com relação aos fins – na qual esta ação é diretamente racional, analisando-se os melhores meios para se alcançar um fim. Ação social racional relacionada so valores – são os valores políticos, religiosos, estéticos.
Nizet (2016), A estrutura social é estruturadora da ação como também a ação dos atores sociais estruturam a própria estrutura social. É uma ideia estruturalista e funcionalista da ação interdependente na qual a ação democrática estrutura a ação e é estruturada por ela. São todos relações microssociais.
O Autor continua com a teoria de Pierre Bourdieu de “campo político”, onde, dentro desse campo, existem alguns critérios de ingresso, participação e permanência, nos quais os grupos dominados, quando conseguem acesso, são pressionados a adaptar-se aos padrões estabelecidos pelo campo, o que vem a limitar a sua capacidade de promover mudanças significativas.
É por isso que se pode dizer que o funcionamento cotidiano do campo político expõe a seletividade das instituições. Os grupos dominados têm dificuldade em apresentar demandas que não sejam traduzidas na linguagem “legítima” da política, o que significa adaptar essas demandas, tornando-as mais palatáveis, e comprometer a representatividade do discurso diante da experiência vivida daqueles grupos. Miguel (2014, Pg. 154).
Baseado no autor, os limites da democracia liberal estão relacionados à própria desigualdade econômica que é totalmente desproporcional, onde há concentração de riquezas, má distribuição de renda, barreiras de participação na política como a restrição de minorias ativistas e fragilidade do pluralismo, ou seja, dos movimentos sociais que defendem causas como justiça racial, direitos dos imigrantes ou mudanças climáticas etc.
De acordo com Miguel (2014):
Para Poulantzas, as instituições do Estado não podem ser entendidas como mero instrumento a serviço da classe dominante, nem como um espaço neutro de resolução dos conflitos, mas como a resultante da correlação de forças de determinada formação social em determinado momento de sua história. Miguel (2014, Pg. 154).
Essa é também uma crítica de Max e Engels (2028, Pg. 48), "O governo do Estado moderno é apenas um comitê para gerir os negócios comuns de toda a burguesia." Para os autores do manifesto comunista, o Estado funciona como um "balcão de negócios" da burguesia porquê existe para administrar os interesses dessa classe, promovendo políticas e decisões que garantam a manutenção do sistema capitalista e a exploração da classe trabalhadora.
Para Miguel (2014, Pg. 154), “Elas são capazes de incorporar avanços, mas sempre tendo como limite a hegemonia estabelecida”.
Todavia, Miguel (2014, Pg. 155), afirma que não sejamos ingênuos, o Estado tem um lado e também participa das lutas e dos interesses políticos, e influenciam a reprodução por meio da dominação, além disso, baseado em Foucault, o Estado utiliza a vigilância e punição para a docilizar dos corpos e por meio do uso legitimo da violência e dos aparelhos de repressão impõem sua autoridade.
Da mesma forma que o Estado é detentor do capital (econômico, militar, político), a sociedade se organiza como detentora de um poder paralelo ao do Estado. Todavia, o autor cita Bourdieu para se referir ao campo e aos diferentes tipos de capitas que agem dentro dos dele: O capital político, cultural, social, religioso etc.
Para Bourdieu, os embates cruciais dentro da sociedade devem ser buscados no campo de poder, o espaço social no qual se defrontam diferentes formas de poder, que por isso se define como “campo de lutas pelo poder entre detentores de poderes diferentes”40. Aqueles que controlam diferentes formas de capital (econômico, cultural, político, religioso etc.) disputam o peso relativo de seus ativos, a capacidade que possuem de determinar o funcionamento do conjunto da sociedade. Miguel (2014, Pg. 156).
Para Miguel (2014), outro fato importante sobre o Estado é que ele estabelece, por exemplo, os grandes ritmos do calendário social, como as férias escolares e feriados (ou o horário de verão), a divisão do mundo universitário em disciplinas, o que determina o arcabouço para as lutas entre os acadêmicos segundo Bourdieu.
Baseado no autor, parece haver uma contradição entre os mecanismos de direitos democráticos, de representatividade das classes dominadas, legitimadas por meio do sufrágio universal, e o benefício político das instituições que enviesa os resultados em favor dos dominantes, como por exemplo: a influência do agronegócio no governo do ex-presidente Bolsonaro com o desmatamento de florestas e o garimpo ilegal.
BIBLIOGRAFIA:
BURITY, Joanildo. Minoritização, religião pública e populismo religioso no Brasil. REVER: Revista de Estudos da Religião, São Paulo, v. 24, n. 1, pp. 11-27, 2024.
Marx, K; Engels, F. (2018). Manifesto do partido comunista. São Paulo – SP; Lafonte.
Miguel. Luis Felipe (2014). Mecanismos de exclusão política e os limites da democracia liberal: Uma conversa com Poulantzas, Offe e Bourdieu. Pg. 146-161.
Nizet, Jean (2016). A sociologia de Anthony Giddens. Petrópolis – RJ. Vozes.
Peters, Gabriel, (2028). Os sociólogos: clássicos das ciências sociais. Pierre Bourdieu (1930-2002). Petrópolis - RJ. Vozes. Pg. 188.
Weber, M. (2009). ECONOMIA E SOCIEDADE: Fundamentos da sociologia compreensiva. (R. Barbosa, & K. E. Barbosa, Trads.) Brasília - BSB: Editora UNB.
INSTITUTO ALZIRAS; OXFAM BRASIL. DESIGUALDADES DE GÊNERO E RAÇA NA POLÍTICA BRASILEIRA. COORDENAÇÃO DO PROJETO: Roberta Eugênio, Marina Barros e Tauá Pires. PUBLICADO EM 24 DE JULHO DE 2022. Fonte: Estudo mostra que equidade de gênero na política brasileira pode levar mais de um século - Controversia.
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